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Uma história de amor, luta e resiliência

Atualizado: 28 de fev. de 2020


Como o S.O.M.A, projeto desenvolvido na ZL para atender a população em situação de rua, conquistou outros territórios e ajuda na transformação da sociedade, por seus princípios e valores


Por Everton Oliveira, de São Miguel Paulista

S.O.M.A combina a linguagem do rap, skate, com escutas e conversas atentas para acolher o jovem.

Tudo começou em julho de 2013, enquanto o Brasil passava por uma onda de manifestações populares que tomavam as ruas e a população clamava por mudanças nas estruturas políticas e sociais. Se a temperatura das ruas esquentava com árduos protestos, São Paulo era atingida pelo inverno mais rigoroso dos últimos 52 anos.


Os protestos não eram apenas pelo aumento da tarifa do transporte público. A indignação vinha junto da evidente exclusão de quem experimentava o frio excessivo nas mesmas ruas por onde passavam as jornadas de junho daquele ano na maior cidade do país.


Os noticiários contabilizavam o número crescente de mortes por hipotermia de moradores em situação de rua em todo Estado. Apenas na capital paulista, foram pelo menos 16 mortos. Essa tragédia ecoou numa reação imediata em São Miguel Paulista, no extremo da zona leste, por meio de um chamado nas redes sociais. O levante aconteceu logo após a morte de Sorriso, um morador em situação de rua muito próximo de alguns jovens da comunidade, mais uma vítima das baixas temperaturas.


Dispostos a ajudar a população em situação de rua, os mesmos jovens rapidamente organizaram no dia 24 de julho de 2013 o que chamaram de Sopão Humanitário. O que os moveu foi o amor ao próximo e uma vontade louca de mudar a realidade social da quebrada.


Reunidos na casa da família Duarte, contaram com a ajuda da ‘matriarca’ Oneide. Cozinheira de mão cheia, ela abriu as portas de sua cozinha para prepararmos o sopão com as doações de alimentos arrecadadas com poções generosas de empatia, solidariedade e afeto. Assim nascia o Projeto Sociedade Orgânica Múltiplos Amores (Soma).


Nesse mesmo princípio de adição, artistas independentes, ativistas em prol de causas sociais, punks, skatistas, MCs entre outras vertentes das ruas das quebradas chegaram junto e começaram ali a escrever uma história que está prestes a completar sete anos.

O Soma reúne desde então Caroline Paiva, Ozéias Ferreira, Diogo Vieira, Geovana Duarte, Fernando Henrique, (Rick) e Everton da Silva, um coletivo cujo principal foco é apoiar pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Comemoração de 5 anos do SOMA na praça do mini hemp na Vila Pedroso, em São Miguel Paulista. @GuilhermeSipangs

Outros mais foram colando no Soma, como a ABC Criativa (ONG de São Miguel Paulista, que já não está mais ativa), além de moradores, comerciantes e feirantes locais, que doam alimentos para as marmitas, agasalhos e cobertores. O exemplo da Soma serviu de inspiração para comunidades na capital paulista e fora dela. Em 2014, um dos somadores (como são chamados os integrantes e apoiadores do movimento de acolhimento Soma), aportou no Rio de Janeiro, para expandir e replicar as ações de cuidado.


A primeira parada em solo carioca foi no projeto Hotel Spa da Loucura, uma residência artística dentro do Instituto Municipal Nise da Silveira, uma instituição psiquiátrica no bairro de Engenho de Dentro, na zona norte do Rio. Foi lá que nasceu também o jornal Reorganise, uma publicação sobre a luta antimanicomial. Nas páginas impressas figuram as vivências cotidianas dos pacientes reclusos no hospital e seus anseios de vida e liberdade. Além disso, o jornal relata as causas que levam as pessoas a serem internadas em hospitais psiquiátricos.


Há uma similaridade entre os internos e os moradores em situação de rua, inclusive porque muitos dos primeiros advêm desse segundo contexto. Ambos são subjugados e oprimidos, sem direitos a condições básicas de vida: moradia, acolhimento familiar. Muitos sofrem violências recorrentes, como abuso, machismo e racismo.


Soma exportada


Em 2016, foi a vez de Mariana, em Minas Gerais, receber um integrante do movimento, pouco tempo depois do rompimento da barragem do Fundão da mineradora Samarco no distrito de Bento Rodrigues, no início de novembro de 2015. Na catástrofe, milhares de pessoas morreram e cerca de 1600ha nas margens do Rio Doce e dos seus afluentes foram recobertos por uma lama carregada em resíduos do tratamento dos minerais de ferro. Em poucos dias, a onda de lama chegou até o oceano Atlântico e mais de 300.000 pessoas foram afetadas de alguma forma pela destruição da sua vila e do entorno.


O acidente mobilizou coletivos locais, equipes de resgate e pessoas vindas de outros pontos do país e até do exterior. Duas rádios livres, Brota e Prainha, atuaram diretamente no relacionamento com as comunidades, disseminando informações de interesse público, cobrindo questões como necessidades imediatas a providências sobre ações referentes ao processo contra as empresas Vale/BHPBillion/Samarco.

Mesmo com as incursões do Soma em Minas e Rio, o projeto Soma manteve suas ações na quebrada, sobretudo no apoio aos moradores em situação de rua, sob a liderança dos somadores Carol, Diogo e a Geovana.


O terceiro aniversário do projeto foi marcado por um evento de celebração e pelo desejo de expansão do atendimento a outros públicos. Chegava a vez de acolher jovens em situação de risco, em especial aqueles com histórico de reclusão e passagens por instituições como a Fundação Casa, acusados de pequenos delitos. A estratégia com esses meninos e meninas foi a combinação de rap, skate e acolhimento afetivo, com escutas e conversas atentas.


Nos últimos anos, iniciativas como a ‘Leitura soma conhecimento’, que acontece a partir da leitura de trechos de livros por somadores e pelo sorteio das obras, na página do projeto no Instagram (@projeto.soma), fortalecem os relacionamentos e o propósito do grupo. Para discutir temas como política durante o período de eleições em 2018, foram promovidas rodas de conversa nos ‘churras antifascistas’. Assim como o ‘Natal da boa Vizinhança’, com o apadrinhamento e oferta de presentes para 30 crianças de famílias de baixa renda.


Como a união faz a força, foram feitas parcerias com lojas e marcas de skate da comunidade, que apoiaram os eventos de celebração do projeto. Exemplos disso são as lojas Roosevelt Skate Shop e a marca de vestuário Eigth; e, mais recentemente, com instituições como o Instituto NUA, que resultou no bloco de carnaval ‘Acordes Urbanos’, assim como com a ‘Espiral de Somaria’. Nesse último caso, a Quadrinha Life, (QL), uma quadra abandonada foi revitalizada com a ajuda dos skatistas locais. E, junto com a ‘Cozinha Libertária (que pratica e incentiva o veganismo nas quebradas), foi realizado o evento Soma Libertaria: Pastelada Vegana.

O grupo Graduad Tempus apresenta na praça Venâncio na festa de 5 anos do SOMA @GuilhermeSipangs

Junto com a Rádio comunitária Milênio FM do Itaim Paulista, foi ao ar a voz do projeto com o programa ‘Somando Tudo até a Última Soma’. O programa radiofônico é voltado para questões sociais e políticas da quebrada. Artistas, empreendedores e ativistas locais são entrevistados e contam suas histórias desafios e sonhos. E, por falar em comunicação, o Soma está também integrando o time de parceiros da Rádio e TV NUAR, criados no Instituto NUA.


Por fim, o projeto Soma completará seu setênio no dia 24 de julho de 2020. Com todas essas realizações, o que o projeto, seus integrantes e parceiros geram e colhem é muito crescimento e amadurecimento, um profundo senso de coletivo, e um compromisso com os muitos desafios que ainda tem pela frente. Sem nunca perder de vista os princípios e valores de fraternidade, solidariedade e empatia por cada um que participa dessa Sociedade Orgânica Múltiplos Amores (Soma).



Everton da Silva Oliveira é fundador do projeto S.O.M.A. (Sociedade Orgânica Múltiplos Amores) e co-fundador do Jornal Reorganise, no Rio de Janeiro, em parceria com internos do Instituto Municipal Nise da Silveira, que retrata a luta antimanicomial. É educador e apresentador do programa de rádio Somando Tudo até a Última Soma na rádio comunitária Milênio fm no Itaim Paulista e também na Rádio TV NUAR.


Como Mestre das Kebradas, Everton escreve sobre as riquezas da periferia.



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